M L

22.01.2019

A responsabilidade das sociedades-mãe por infrações ao direito da concorrência da UE pelas suas subsidiárias: prescrição do procedimento e a (ampla) interpretação do tribunal de justiça

Introdução

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no acórdão de 27 de abril de 2017, Akzo Nobel e o. c. Comissão, C-516/15 P, EU:C:2017:314 (“acórdão”)(1), pronunciou-se sobre a responsabilidade das sociedades-mãe pelas infrações ao direito da concorrência da União Europeia (UE) cometidas pelas suas subsidiárias e, em particular, sobre a prescrição dos poderes sancionatórios da Comissão Europeia (“Comissão”) relativamente às sociedades-mãe caso o procedimento esteja já prescrito quanto às respetivas subsidiárias.


Antecedentes do litígio

Por decisão de 11 de novembro de 2009(2) a Comissão considerou que determinadas empresas do Grupo Akzo Nobel – designadamente a Akzo Nobel (sociedade-mãe do Grupo), a Akzo Nobel Chemicals GmbH, a Akzo Nobel Chemicals BV e a Akcros Chemicals – violaram o artigo 101.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE (“Tratado”) [à data, artigo 81.º do CE] e o artigo 53.º do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ao participar em dois conjuntos de acordos e de práticas concertadas anti-concorrenciais respeitantes, por um lado, ao setor dos estabilizadores de estanho e, por outro, ao setor do óleo de soja epoxidado e dos ésteres (“Decisão”).

Nos termos da Decisão, a Comissão dividiu a participação da Akzo Nobel, da Akzo Nobel Chemicals GmbH, da Akzo Nobel Chemicals BV e da Akcros Chemicals nos ilícitos em três períodos de infração diferentes: (i) até 28.06.1993 – a Akzo Nobel Chemicals GmbH e a Akzo Nobel Chemicals BV, detidas indiretamente a 100% pela Akzo Nobel, participaram diretamente na infração; (ii) entre 28.06.1993 e 02.10.1998 – as infrações foram cometidas pela Akcros Chemicals, parceria que tinha centralizado as atividades de produção e de venda de estabilizadores térmicos do grupo Akzo, sem personalidade jurídica própria; e (iii) entre 02.10.1998 e 22.03.2000 – as infrações foram cometidas pela Akcros Chemicals, que absorveu as atividades da anterior parceria. A Akzo Nobel, sociedade-mãe do grupo, foi responsabilizada por todo o período das infrações, isto é, entre 24.02.1987 e 22.03.2000.

As empresas condenadas recorreram da Decisão junto do Tribunal Geral da União Europeia (TGUE), arguindo, entre o mais, a violação das regras de prescrição contidas no artigo 25.º, n.º 1, al. b), do Regulamento (CE) n.º 1/2003(3), nomeadamente porque consideraram que: (i) a Comissão deixou de poder agir contra a Akzo Nobel Chemicals GmbH e a Akzo Nobel Chemicals BV a partir de 28.06.1998, porquanto estas deixaram de participar nas infrações em 28.06.1993; e (ii) não podia ser imputada qualquer responsabilidade às referidas sociedades nem à Akzo Nobel, enquanto sociedade-mãe, relativamente ao indicado período da infração.

O TGUE anulou a Decisão(4) na parte em que aplicava coimas às empresas Akzo Nobel Chemicals GmbH e a Akzo Nobel Chemicals BV no período anterior a 28.06.1993 e negou provimento quanto ao resto. Foi interposto recurso junto do TJUE, versando a revogação do decidido pelo TGUE, em particular na medida em que este considerou que a responsabilidade pelas coimas inicialmente aplicadas à Akzo Nobel Chemicals GmbH e à Akzo Nobel Chemicals BV pela sua participação nas infrações poderia continuar a ser atribuída à Akzo Nobel depois da anulação dessas coimas por prescrição do procedimento quanto àquelas sociedades.


O acórdão do TJUE

O TJUE negou provimento ao recurso das empresas do Grupo Azko Nobel, tendo fundado a sua decisão nas seguintes linhas de argumentação:

(i) O TJUE baseou-se no conceito de empresa no sentido em que este designa uma unidade económica e, nessa medida, tomou em devida consideração que uma sociedade-mãe à qual seja imputada a conduta ilícita da sua subsidiária é pessoalmente condenada por uma infração das regras de concorrência da UE, que se considera cometida pela própria, devido à influência determinante que exercia sobre a subsidiária e que lhe permitia determinar o comportamento desta última no mercado;

(ii) De acordo com o TJUE, numa situação em que nenhum fator caracteriza individualmente o comportamento imputado à sociedade-mãe, a redução do montante da coima aplicada à subsidiária solidariamente com a sua sociedade-mãe deve, em princípio, estando cumpridos os pressupostos processuais, estender-se à sociedade-mãe;

(iii) O exercício do poder da Comissão em matéria de aplicação de sanções pode prescrever relativamente à subsidiária, e não à sua sociedade-mãe, mesmo quando a responsabilidade desta se baseie totalmente na conduta ilícita adotada pela subsidiária;

(iv) Na medida em que as subsidiárias da Akzo Nobel participaram na infração durante o primeiro período da infração (anterior a 28.06.1993), a Akzo Nobel foi pessoalmente condenada por comportamentos contrários ao direito da concorrência da UE, cumulativamente, a Akzo Nobel participou na infração nos restantes períodos, até março de 2000;

( ) Assim, por um lado, as práticas restritivas referentes ao primeiro período da infração consideram-se cometidas pela própria Akzo Nobel, dado que esta formava uma unidade económica juntamente com as suas subsidiárias;

(i) Por outro lado, fatores próprios da sociedade-mãe podem justificar que a sua responsabilidade e a da subsidiária sejam apreciadas de forma diferenciada, mesmo que a responsabilidade da primeira se baseie essencialmente na conduta ilícita da segunda.

Tendo por base os pressupostos acima descritos, o TJUE considerou não se verificar a prescrição do poder da Comissão de aplicar sanções à Akzo Nobel quanto ao primeiro período da infração porquanto a participação da Akzo Nobel nas práticas restritivas foi para além desse período, tendo apenas cessado em março de 2000. Nestes termos, o Tribunal de Justiça considerou que a Akzo Nobel deve ser responsabilizada por todo o período da infração, independentemente de se ter verificado a prescrição do poder da Comissão quanto às suas subsidiárias, no que se refere ao primeiro período da infração.

Esta posição do TJUE permite uma ampla interpretação da responsabilidade das sociedades-mãe pelas infrações cometidas pelas suas subsidiárias, com consequências ao nível do início da contagem do prazo de prescrição do poder da Comissão para aplicar sanções às sociedades-mãe, mesmo em casos em que tal poder esteja prescrito em relação às respetivas subsidiárias.

O acórdão do Tribunal de Justiça da UE no processo Akzo Nobel amplia a possibilidade de responsabilização das sociedades-mãe por infrações ao direito da concorrência da UE cometidas pelas suas subsidiárias ao permitir a aplicação de sanções às sociedades-mãe, pela Comissão, em casos em que tal poder esteja prescrito em relação às respetivas subsidiárias.

_______________________________________

(1) Acedido e disponível em curia.europa.eu.

(2Decisão C(2009)8682 final da Comissão, de 11 de novembro de 2009, COMP/38589.

(3) Regulamento (CE) n.º 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101].° e [102].° do Tratado, JO L 1 de 4 de janeiro de 2003.

(4) Acórdão de 15 de julho de 2015, Akzo Nobel e Akcros Chemicals c. Comissão, T-485/11, EU:T:2015:517, acedido e disponível em curia.europa.eu.