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05.08.2025

Legal Alert | Acórdão 'RFC Seraing': as decisões do TAD suíço e o direito da União

Legal Alert | Acórdão 'RFC Seraing': as decisões do TAD suíço e o direito da União

Em 1 de agosto de 2025, o TJUE decidiu que as decisões do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), como no caso entre o Royal Football Club Seraing e a FIFA, devem poder ser objeto de fiscalização jurisdicional efetiva por tribunais da União Europeia. O processo teve origem em contratos celebrados em 2015 entre o clube belga e a Doyen Sports, envolvendo a cedência de direitos económicos sobre jogadores, prática proibida pela FIFA (TPO), que aplicou sanções confirmadas pelo TAD e pelo Tribunal Federal suíço. Em recurso na Bélgica, o clube alegou que nunca houve controlo de conformidade com o direito da UE. O TJUE distinguiu entre arbitragem voluntária e arbitragem imposta por federações desportivas, concluindo que a imposição de autoridade de caso julgado às decisões do TAD sem possibilidade de análise por um tribunal de um Estado-Membro viola o direito da UE, ao impedir o acesso a uma fiscalização jurisdicional compatível com os princípios da ordem pública europeia, incluindo as regras da concorrência e da livre circulação.

No dia 1 de agosto de 2025, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferiu o seu ​Acórdão no processo C-600/23 – Royal Football Club Seraing c. FIFA​. 

Em 2015, o clube belga Royal Football Club Seraing (RFC Seraing) celebrou acordos de financiamento com a sociedade maltesa Doyen Sports que previam a cedência, para esta última, de parte dos direitos económicos de alguns dos seus jogadores. A FIFA considerou que esses contratos violavam a proibição de terceiros deterem direitos económicos sobre jogadores (i.e., a prática dita de “TPO” – “third party ownership”) e aplicou ao RFC Seraing várias sanções, designadamente a proibição de inscrever novos jogadores durante quatro períodos de inscrição consecutivos. Essas sanções foram confirmadas pelo Tribunal Arbitral do Desporto de Lausanne, Suíça (TAD), e, seguidamente, pelo Tribunal Federal suíço. 

No âmbito de um processo judicial instaurado, em paralelo, na Bélgica e já em sede de recurso perante o Tribunal de Cassação deste país, o RFC Seraing alegou que a sentença arbitral proferida pelo TAD transitara em julgado sem uma efetiva análise de conformidade das normas da FIFA (constantes do Regulamento sobre o Estatuto e a Transferência de Jogadores) com o direito da União Europeia (UE) por parte de um tribunal da UE (que não é o caso do TAD, nem do Tribunal Federal suíço). 

Na sua análise, o TJUE fez uma distinção entre as situações de arbitragem voluntária (i.e., aceite livremente pelas partes) e arbitragem imposta unilateralmente pelas federações desportivas internacionais, como a FIFA. 

O TJUE considerou que as sentenças arbitrais do TAD devem poder ser objeto de fiscalização jurisdicional que permita uma análise aprofundada de compatibilidade com os princípios e disposições que integram a ordem pública da UE – onde se incluem as regras de concorrência e de livre circulação. Assim, o TJUE determinou que as regras nacionais que atribuem autoridade de caso julgado às decisões do TAD no território de um Estado-Membro, sem permitir que essa análise seja efetuada por parte dum órgão jurisdicional desse Estado-Membro, são contrárias ao direito da UE, uma vez que impedem os particulares de obterem uma fiscalização jurisdicional efetiva sobre tais sentenças arbitrais.