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18.08.2025

Legal Alert | Proposta de revisão da Lei dos Petróleos de Moçambique

Legal Alert | Proposta de revisão da Lei dos Petróleos de Moçambique

No mês de junho de 2025 iniciou-se um processo de consulta pública a uma proposta de alteração à Lei n.º 21/2014, tal como alterada pela Lei n.º 16/2022 (Lei dos Petróleos), o qual terminou no dia 15 de julho de 2025.

Em traços gerais, a revisão legislativa em causa visa, entre outros objetivos, reforçar o papel do Estado nas operações petrolíferas, quer através da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH) e da quota garantida para o mercado nacional, quer através do Instituto Nacional de Petróleo (INP), a autoridade reguladora do sector, intervindo assim direta e indiretamente no mercado do petróleo e gás.

Destacam-se a inclusão da Captura e Armazenamento de Carbono (CCS) no âmbito objetivo de aplicação da proposta de lei, bem como o reforço do papel das empresas e cidadãos nacionais no sector, e dos direitos dos trabalhadores, em particular a formação dos trabalhadores nacionais, assim como a proteção, informação e participação das comunidades locais e a proteção do meio ambiente através da exploração sustentável dos recursos naturais.

Análise sumária das principais alterações e inovações da proposta de lei

Alteração ao âmbito de aplicação objetivo

Com a proposta de alteração, a Lei dos Petróleos deverá aplicar-se igualmente à CCS, além das tradicionais operações petrolíferas já objeto da lei (ainda) em vigor. Esta inovação abrangerá a CCS no território nacional e para além das suas fronteiras, desde que conforme ao direito internacional.

Reforço do papel do Estado através da ENH e da quota para o mercado doméstico

A proposta de alteração reforça o papel da ENH ao conferir-lhe o direito de participação mínima de 40% nos contratos de concessão para pesquisa e produção de petróleo. Prevê-se ainda que as concessionárias deverão financiar os custos referentes à participação do Estado, através da ENH, nas operações petrolíferas até ao início da fase de produção, financiamento esse em termos que viabilizem a efetiva participação do Estado nos projetos de petróleo e gás.

Ao abrigo da proposta de alteração, a ENH deverá ainda ser parte do acordo de unitização a ser celebrado nos casos de concessão de uma área cujo depósito de petróleo abranja parcialmente uma área não concessionada.

Adicionalmente, é dada preferência ao Estado nos projetos de desenvolvimento de infraestruturas de regaseificação de gás natural.

No que diz respeito à quota de petróleo e gás destinada ao fornecimento do mercado doméstico, esta passou a estar expressamente prevista como um dos deveres dos titulares de direitos de operações petrolíferas. A Lei dos Petróleos em vigor já previa a obrigação de o Governo garantir uma quota mínima de 25% do petróleo e gás para o fornecimento do mercado nacional, porém a proposta de alteração determina que esta seja entregue no início da produção comercial (em termos ainda a regulamentar).

Por fim, é ainda proposto que a totalidade do condensado produzido nos projetos petrolíferos seja alocada à ENH, ponto que era omisso na lei ainda em vigor.

Reforço dos poderes e atribuições da autoridade reguladora

O INP mantém-se como a autoridade reguladora do sector petrolífero, com autonomia administrativa, patrimonial, financeira e técnica. São reforçadas e detalhadas na proposta de lei as atribuições, prerrogativas e os poderes de regulação, supervisão, gestão e fiscalização, entre outros, do INP, assim como a sua composição e organização, sem prejuízo da sua futura regulamentação através de um novo Estatuto Orgânico a ser aprovado pelo Governo em conformidade com a proposta de lei.

Uma das novidades é a atribuição de competência à autoridade reguladora para a realização de atividades de fiscalização e auditoria, a qualquer momento, às operações petrolíferas, nomeadamente aos Custos Recuperáveis que os titulares de direitos para o exercício das operações petrolíferas devem declarar e atualizar periodicamente.

O INP, como autoridade reguladora e nos termos das suas atribuições, assumirá um papel determinante no reforço e efetivação do envolvimento do empresariado nacional nas operações petrolíferas e do cumprimento pelas empresas petrolíferas das normas relativas ao emprego e formação técnico-profissional dos trabalhadores nacionais e sua participação na gestão das operações petrolíferas.

Alteração do mecanismo das concessões

A proposta de alteração da Lei dos Petróleos vem estabelecer, com o intuito de simplificar e acelerar o investimento na fase de pesquisa e prospeção, que a atividade de reconhecimento será concedida através de uma licença (e não de um contrato de concessão), a qual concederá o direito não exclusivo à realização de trabalhos preliminares de prospeção em áreas autorizadas.

Ainda neste âmbito, é fixado um prazo máximo de 25 anos (após aprovação do respetivo plano de desenvolvimento) para os contratos de concessão de pesquisa e produção, permitindo-se a sua renovação por períodos iguais ou inferiores, conforme seja mais vantajoso para o interesse nacional.

Conteúdo Local

Toda a proposta de alteração segue um princípio de proteção do interesse nacional, conferindo direitos adicionais aos seus nacionais. Uma das medidas mais relevantes nesse sentido é a prioridade dada às pessoas coletivas moçambicanas em áreas de pesquisa e produção que tenham atingido o seu termo de vigência ou tenham sido renunciadas, com critérios ainda a regulamentar.

Esta medida é acompanhada de outra de igual relevância que consiste na alienação por via da Bolsa de Valores de Moçambique de parte das ações das entidades detidas pelas empresas públicas e participadas do Estado, com vista a assegurar a participação de pessoas singulares e coletivas nacionais na cadeia de serviços associados às operações petrolíferas.

De acordo com a proposta de alteração, as pessoas singulares ou coletivas estrangeiras devem associar-se a pessoas singulares ou coletivas moçambicanas para beneficiarem do mecanismo de preferência de preço, sendo que as pessoas coletivas estrangeiras terão de comprovar que essa associação resulta numa efetiva contribuição para a criação de valor de bens e serviços em território moçambicano e com envolvimento de moçambicanos, bem como apresentar um plano de transferência de tecnologia para os nacionais.

Além disso, os fornecedores dos serviços de operação e manutenção de fabricantes de equipamentos originais terão de se estabelecer em Moçambique em associação com empresas moçambicanas.

Proteção das comunidades locais afetadas

Embora o direito a uma justa indemnização estivesse já regulado na atual Lei dos Petróleos, a proposta de alteração vem estabelecer uma proteção adicional às pessoas e comunidades afetadas pelas operações petrolíferas ao alargar os danos abrangidos a qualquer bem ou direito legalmente constituído que sofra prejuízos juridicamente comprovados. Note-se ainda que o reassentamento definitivo de famílias ou comunidades só poderá ter lugar depois de sanadas todas as questões relacionadas com a justa indemnização.

Direitos dos trabalhadores

Há uma preocupação ao longo de toda a proposta de alteração no reforço dos direitos dos trabalhadores do sector, nomeadamente no que respeita às condições de higiene e segurança no trabalho e à implementação de planos de formação. Esta preocupação é naturalmente reforçada no que toca aos cidadãos moçambicanos, mediante a inclusão dos mesmos em todas as categorias e funções (salvo se não houver no mercado nacional cidadãos moçambicanos com a qualificação e experiência exigidas) e – importante novidade – a obrigatoriedade dos titulares de direitos de exercício de operações petrolíferas adotarem um Plano de Conteúdo Local com exigências de contratação, formação e promoção progressiva de cidadãos moçambicanos, em termos ainda a serem regulamentados (nomeadamente através de uma nova Lei de Conteúdo Local, a qual se encontra atualmente em fase de aprovação).

Proteção do meio ambiente

A proteção do meio ambiente e a gestão e utilização sustentável dos recursos naturais é um princípio geral que se reflete ao longo de todo o diploma da proposta, como princípio que deve pautar as operações petrolíferas e a atuação do Estado. Concretiza-se, inter alia, na gestão responsável dos recursos naturais, a mitigação de impactos ambientais e a promoção de práticas de desenvolvimento sustentável. Nessa medida, são definidas como atribuições do INP a preservação do interesse público e do meio ambiente, devendo o INP estabelecer as necessárias condições ambientais, promovendo a adoção de práticas que estimulem a utilização eficiente dos recursos e a existência de padrões adequados de qualidade do serviço e de defesa do meio ambiente.

Captação de investimento

Não obstante a intenção notória e transversal à proposta de alteração do reforço do papel do Estado e das empresas e cidadãos moçambicanos nas operações petrolíferas, assinala-se também uma preocupação com o investimento, ao consagrar-se como obrigação do Estado a adoção de políticas e medidas de captação de investimento que tenham por princípios a previsibilidade jurídica, a estabilidade fiscal e a transparência regulatória.