As alterações são várias e afetam vários diplomas e setores. Talvez por isso, o legislador português demorou mais de um ano a transpor a Directiva Omnibus, tendo dado às empresas quase seis meses para se adaptarem.
O setor da distribuição e retalho é um dos mais afetados. Note-se, porém, que o âmbito de aplicação tanto do Decreto-Lei n.º 109-G/2021 como da Diretiva Omnibus é muito amplo, abarcando qualquer tipo de bens ou serviços (incluindo de natureza digital), do setor alimentar ao tecnológico, à puericultura e ao vestuário, passando até pela venda de água, gás ou eletricidade em volume limitado ou em quantidade determinada. Na verdade, ninguém é poupado.
Vejamos quais as principais alterações a ter em consideração pelos profissionais nos contratos que celebrarem com consumidores a partir de 28 de maio de 2022:
- Os consumidores estão agora mais protegidos na celebração dos contratos de fornecimento de conteúdos digitais (por exemplo, softwares, aplicações, ficheiros vídeo e áudio e e-books), serviços digitais (por exemplo, armazenamento de ficheiros, serviços de cloud computing prestados a consumidores, plataformas de streaming de conteúdos ou música ou jogos online), ou quaisquer outros contratos que incidam sobre bens de consumo com elementos digitais, passando estes a estar sujeitos às mesmas regras que os contratos de compra e venda ou fornecimento de bens convencionais.
- São expressamente proibidas técnicas direcionadas à redução deliberada da duração de vida útil de um bem de consumo, a fim de estimular a sua substituição (a chamada obsolescência programada).
- Sempre que celebrar contratos à distância ou fora do estabelecimento comercial, o fornecedor de bens ou prestador de serviços (incluindo distribuidores ou retalhistas) está obrigado a fornecer ao consumidor um conjunto mais alargado de informações pré-contratuais. É assim desde 2014, mas a partir de agora exige-se também, nomeadamente:
- Indicação de que o preço foi personalizado com base numa decisão automatizada (se for o caso);
- Indicação do prazo de garantia dos conteúdos ou serviços digitais, sempre que os mesmos estejam incorporados em bens de consumo ou que com estes estejam interligados;
- Informação detalhada sobre eventuais meios de comunicação online que o fornecedor de bens ou prestador de serviços tenha disponíveis para facilitar o contacto com o consumidor e que permitam conservar toda a correspondência escrita mantida num suporte duradouro;
- O envio antecipado ao consumidor de informação sobre as principais características dos bens ou serviços, a identidade do profissional, o preço total, o direito de arrependimento, o período de vigência do contrato e, se este for de duração indeterminada, as condições para a sua rescisão;
- Vários requisitos adicionais específicos de informação prévia à celebração de contratos realizados em mercados online.
- No caso específico de contratos celebrados no domicílio do consumidor ou no âmbito de excursões organizadas, o prazo durante o qual o consumidor pode, livremente, e sem necessidade de qualquer justificação, resolver o contrato (o chamado “direito de arrependimento”) é alargado de 14 para 30 dias.
- Em caso de práticas comerciais de redução de preço (saldos, promoções ou liquidações), o fornecedor de bens ou prestador de serviços fica obrigado a:
- Indicar, em qualquer suporte de divulgação das mesmas, qual o preço mais baixo anteriormente praticado, por referência aos preços praticados nos 30 dias anteriores à redução (e não já nos 90 dias anteriores), passando a ser meramente facultativa a indicação da percentagem de redução;
- Sempre que a redução de preço incida sobre produtos agrícolas e alimentares perecíveis (i.e. produtos que sejam suscetíveis de se tornarem impróprios para venda no prazo de 30 dias após a data de colheita, produção ou transformação) ou produtos que se encontrem a 4 semanas da sua data de validade, indicar a redução de preço por referência ao preço mais baixo anteriormente praticado durante os últimos 15 dias consecutivos em que o produto esteve à venda (ou durante o período total de disponibilização do produto ao público, caso este seja inferior);
- Na comparação com os preços de referência, não utilizar medidas ou condições distintas (por exemplo, comparação entre produtos vendidos em embalagens e produtos vendidos à unidade).
- Passam a ser consideradas práticas comerciais desleais e a ser puníveis como contraordenação económica grave:
- A promoção comercial de um bem como sendo idêntico a outro bem comercializado na União Europeia, se esse bem for significativamente diferente quanto à sua composição ou características;
- A declaração de que as avaliações de um produto são apresentadas por consumidores que o utilizaram ou adquiriram efetivamente, sem adotar medidas razoáveis e proporcionadas para verificar que essas avaliações foram publicadas por esses consumidores;
- A apresentação (ou o pedido a terceiros para apresentação) de avaliações ou recomendações de consumidores falsas, ou de avaliações ou recomendações distorcidas nas redes sociais, a fim de promover os produtos;
- No caso de produtos oferecidos através de um marketplace, a omissão de informação sobre se o terceiro que oferece tais serviços é ou não um profissional, na proposta contratual ou convite a contratar dirigido ao consumidor.
- Nos casos em que a procura de produtos oferecidos por diferentes profissionais ou por consumidores for possivel através de pesquisas sob a forma de palavra-chave, frase ou outros dados: a falta de informação sobre os parâmetros que determinam a classificação dos produtos apresentados ao consumidor em resultado da pesquisa e a importância relativa desses parâmetros em comparação com outros parâmetros.
- Finalmente, de forma a contrariar a inclusão, nos contratos com consumidores, de cláusulas contratuais gerais abusivas – cada vez mais usual, apesar da sua reconhecida nulidade, tendo em conta o potencial efeito dissuasor da inclusão destas cláusulas e a inexistência de qualquer punição adicional – o recurso a cláusulas contratuais gerais classificadas pelo Decreto-Lei n.º 446/85 como absolutamente proibidas passa a ser punível como contraordenação muito grave.
O elenco acima é apenas um resumo de um conjunto muito vasto de exigências cuja aprovação e entrada em vigor parecem ter passado despercebidas a vários operadores. É tempo de confirmar se todas estas medidas estão devidamente implementadas, de criar novos procedimentos e de fazer análises de risco.
A defesa do consumidor tem estado na ordem do dia e a única defesa das empresas, a única forma de estas mitigarem o risco de indemnizações, ações populares, contraordenações e até pressões nas redes sociais, passa inevitavelmente pela prevenção.