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29.05.2018

Auxílios de estado no desporto: a saga dos clubes espanhóis nos tribunais da UE

Introdução

A saga relacionada com auxílios de Estado a diversos clubes de futebol espanhóis está viva e continua. Esta estória segue e é referente a um conjunto de processos que culminaram com a Comissão Europeia (CE) a ordenar ao Estado Espanhol a recuperação de quase 50 milhões de euros em alegadas ajudas de estado ilegais e incompatíveis com o Tratado da UE concedidas a vários clubes de futebol nacionais (Real Madrid, FC Barcelona, Athletic Bilbao, Atlético Osasuna, Valencia, Hercules e Elche).

Mais de metade do dito montante – 30,2 milhões de euros – terá de ser recuperado junto dos clubes Valencia, Hercules e Elche (processo SA.36387). No caso desses clubes os alegados auxílios de Estado dizem respeito a garantias de empréstimos concedidos ao Valencia, Hercules e Elche pelo Instituto Valenciano de Finanzas (Instituto das Finanças Valenciano, “IVF”), uma instituição financeira do Generalitat Valenciana (governo regional de Valência). A CE considerou que tal auxílio concedeu a esses clubes uma vantagem económica sobre os demais clubes de futebol.


Medidas provisórias requeridas junto do Tribunal Geral da UE

No seguimento da decisão da CE, que incluiu uma ordem de recuperação dos auxílios alegadamente incompatíveis concedidos ao Valencia, Hercules e Elche, todos os clubes recorreram junto do Tribunal Geral, pedindo a anulação da dita decisão. Em paralelo, o Valencia e o Hercules requereram ao Tribunal Geral a aplicação de medidas provisórias para suspender a recuperação do alegado auxílio incompatível até que os recursos da decisão da CE fossem resolvidos (processos T-732/16 e T-766/16).

Ambos os clubes alegaram que a recuperação imediata dos auxílios resultaria num prejuízo da sua situação financeira.

O Hercules acrescentou que a recuperação dos montantes em apreço levaria à sua liquidação o que, em consequência, impossibilitaria o clube de participar em competições desportivas, com consequências também para os organizadores de tais competições e outros clubes participantes. O clube alegou ainda que a sua extinção geraria conflitos sociais e perdas económicas para a região.

O Valencia acrescentou que a recuperação imediata dos alegados auxílios incompatíveis, modificaria de forma importante e irreversível a sua situação no mercado de clubes de futebol.

Ambos os pedidos foram rejeitados pelo Tribunal Geral, pois este considerou que as partes não demonstraram que a recuperação dos alegados auxílios incompatíveis tivesse um impacto e danos irreparáveis que justificassem medidas provisórias.

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral relembrou que os pedidos devem detalhar as circunstâncias e os factos que justificam prima facie a urgência para a aplicação de medidas provisórias.

Quanto ao Hercules, o tribunal notou que para apreciar a situação financeira de uma entidade é necessário olhar para os recursos globais da totalidade do grupo de tal entidade é parte, incluindo pessoas singulares que controlam tal entidade.

O Tribunal Geral salientou também que, de acordo com o próprio clube, este tinha investido em «jogadores de qualidade» com salários que excediam as suas receitas e que o presidente do clube comprometeu-se perante a La Liga a cobrir o défice do Hercules com recursos financeiros provenientes de entidades privadas terceiras.

Como tal, o Tribunal Geral considerou que o clube tinha meios suficientes para fazer face aos compromissos que excedessem as suas receitas, salientando também que, na medida em que clube não tinha fornecido a informação sobre os seus acionistas, o tribunal não tinha dados suficientes para avaliar a sua situação financeira e, como tal, o risco de danos financeiro e/ou liquidação decorrentes da recuperação imediata dos alegados auxílios incompatíveis.

No que respeita ao Valencia, o Tribunal Geral considerou que o clube tinha uma situação financeira estável, que lhe permitia devolver imediatamente o auxílio em apreço, incluindo através de linhas de crédito disponibilizadas pelo seu acionista maioritário. O tribunal também referiu que o potencial montante de recuperação estava refletido nas contas do clube e que este constituiu uma provisão para o efeito.

Nestes termos, o Tribunal Geral considerou que o Valencia não demonstrou, que a recuperação imediata do alegado auxílio levaria a danos graves e irreparáveis.


Comentário

O desporto é, de facto, especial, contando com milhões de fãs globalmente. Mas, não é tão especial de uma perspetiva de política de execução das regras de concorrência, incluindo no contexto das regras europeias de auxílios de Estado, isto porque o setor do desporto está abrangido pela aplicação de tais normativos.

Com efeito, tendo em consideração a relevância social do desporto, as autoridades estatais podem estar em diversas ocasiões tentadas a disponibilizar apoio suplementar ao setor. Tal objetivo é de louvar e é extremamente importante, não sendo ilegal em si mesmo, na medida em que as regras relevantes (incluindo as normas em matéria do direito da concorrência) sejam devidamente tidas em consideração.

A CE tem dado e continua a dar uma particular relevância à aplicação das regras de concorrência no desporto, nomeadamente na perspetiva de auxílios de Estado, incluindo auxílios a infraestruturas e esquemas fiscais e apoios diretos ou indiretos a entidades desportivas (dando ênfase à importância dos clubes profissionais: «de uma perspetiva de auxílios de Estado, existe um risco significativo que os clubes de futebol solicitem cada vez mais ajuda financeira às autoridades públicas nacionais, regionais ou locais de modo a conseguirem continuar jogar futebol profissional» (1); ver também o conjunto de processos relacionados com a aplicação das regras de auxílios de Estado no futebol – SA.29769, SA.33754, SA.36387, SA.40168, SA.41613, SA.41614, SA.41617, entre outros).

Como tal, impõe-se particular cautela sempre que se perspetivem medidas de apoio económico ou financeiro dirigidas ao desporto (que podem incluir; apoios financeiros diretos ou indiretos; isenções de impostos ou taxas; transações em condições que não sejam de mercado; etc.), dado que tais medidas podem estar potencialmente sujeitas às regras europeias em matéria de auxílios de Estado e, se forem consideradas ilegais e incompatíveis, podem ser objeto de recuperação.

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(1) Tradução livre do inglês.

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