O Decreto-Lei n.º 103/2025, publicado a 11 de setembro e em vigor a 10 de dezembro de 2025, transpõe a Diretiva (UE) 2021/2167 (“Diretiva do Crédito Malparado”), criando um regime para a cessão de créditos concedidos em Portugal por instituições financeiras e outras entidades habilitadas. Visa dinamizar o mercado secundário de créditos não produtivos sem prejudicar os devedores e aplica-se também a créditos em cumprimento. Apenas fundos de crédito e entidades de titularização podem adquirir créditos em qualquer situação, enquanto outros compradores ficam limitados a créditos vencidos há mais de 90 dias ou classificados como improváveis de pagamento. A cessão exige a contratação de um gestor de créditos autorizado, notificação ao devedor e cumprimento de deveres de informação, estando os gestores sujeitos a autorização do Banco de Portugal, proibição de deter fundos e exigências de idoneidade, confidencialidade e reporte.
O Decreto-Lei n.º 103/2025, de 11 de setembro, que entrará em vigor no dia 10 de dezembro de 2025 e tem como principal objeto a transposição da Diretiva (UE) 2021/2167, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro 2021, comumente designada como a “Diretiva do Crédito Malparado” foi, finalmente, publicado ontem, dia 11 de setembro. Os objetivos declarados deste novo regime jurídico são: por um lado, desenvolver o mercado secundário de venda de créditos não produtivos, promovendo condições para que as instituições concedentes de crédito possam alienar posições nessa situação em circunstâncias mais competitivas e, por outro, garantir que essa venda não tem qualquer impacto na posição jurídica do devedor, não ficando este, por efeito da cessão, em posição menos favorável.
Quais as transações que passam a ter que ter em conta as novas regras?
O novo regime aplica-se à cessão de créditos e posição contratual em contratos de crédito (ambas as realidades definidas como cessão), que tenham sido concedidos, em Portugal, pelas seguintes entidades: (i) instituições de crédito ou sociedades financeiras, instituições de pagamento ou instituições de moeda eletrónica com sede em Portugal, (ii) instituições de crédito ou instituições financeiras com sede no estrangeiro e estabelecidas em Portugal através de sucursal, ou (iii) qualquer das referidas entidades se, estando estabelecida na União Europeia, estiver habilitada a conceder crédito em Portugal em regime de livre prestação de serviços.
Ficam de fora do âmbito das novas regras as operações de cessão em que o adquirente seja qualquer uma das entidades acima referidas1, a gestão de créditos efetuada por uma instituição relativamente aos créditos de que é titular ou efetuada pela sociedade gestora ou sociedade de investimento coletivo (SIC) autogerida relativamente aos créditos de que sejam titulares, respetivamente, os organismos de investimento coletivo por si geridos ou a própria SIC.
Conclui-se, portanto que, em Portugal, este regime será aplicado não só ao crédito concedido por instituições de crédito, mas também ao crédito concedido por outras entidades habilitadas a conceder crédito. É de notar que, apesar de ser comummente chamado “regime do crédito malparado”, aplica-se tanto a créditos em cumprimento como a créditos em incumprimento.
Limitações ao universo de compradores
Para além das entidades acima referidas, apenas os organismos de investimento alternativo de créditos (comumente chamados fundos de crédito) e as entidades com objeto específico de titularização (sociedades de titularização de créditos ou fundos de titularização de créditos) passam a poder comprar créditos em qualquer situação de cumprimento e independentemente da sua classificação em termos de probabilidade de cumprimento.
Quaisquer outros compradores vêm limitadas as suas opções e apenas podem adquirir créditos abrangidos pelo novo regime (i) relativamente aos quais as prestações se encontrem vencidas e não pagas há mais de 90 dias ou (ii) quando o devedor seja uma pequena, média ou grande empresa, o crédito esteja classificado como de improvável pagamento2 há pelo menos 12 meses.
Obrigação de contratação de gestor de créditos
Sempre que o regime se aplique3 a produção de efeitos da cessão depende da contratação de um gestor de créditos (servicer) habilitado e ao envio de uma notificação ao devedor no prazo de 10 dias após a cessão (e antes da primeira cobrança), dando conhecimento ao mesmo da cessão, da identificação do gestor dos créditos, bem como de outros elementos relevantes para o devedor.
Posição do cedente
Regulação dos devedores do vendedor
De entre os deveres do cedente agora obrigatórios destacam-se (i) o dever de prestar informação prévia, de forma padronizada, a potenciais cessionários sobre o objeto da cessão com base no modelo de dados estabelecido na regulamentação da União Europeia, designadamente em sede de due diligence, (ii) o dever periódico de informação ao Banco de Portugal em relação às cessões por si efetuadas, nos termos aí previstos, e (iii) o dever de informação à Central de Responsabilidades de Crédito.
Regulação dos deveres do comprador
Quando o cessionário não tiver residência, sede ou administração central na União Europeia, é obrigatório que este designe um representante na União Europeia.
É de destacar ainda, os seguintes deveres dos cessionários (i) o dever de confidencialidade e segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário (aplicável também aos colaboradores do cessionário), (ii) o dever de boa-fé, lealdade e não-assédio ou coação perante os devedores, (iii) o dever de prestar informação clara e verdadeira e (iv) o dever de salvaguarda dos dados pessoais e privacidade dos devedores.
Gestores de créditos (servicers)
A atividade de gestão de créditos abrangidos pelo regime só poderá ser exercida por (i) gestores de créditos autorizados com sede em Portugal, (ii) pessoas coletivas autorizadas noutro Estado‑Membro a exercer a atividade em Portugal ou (iii) ou por instituição de crédito, sociedade financeira, instituição de pagamento ou instituição de moeda eletrónica.
A autorização para exercer a atividade de gestão de créditos deve ser obtida junto do Banco de Portugal, estando sujeita, designadamente, a avaliação de idoneidade/adequação (fit & proper).
O legislador português optou, na transposição da Diretiva, pela proibição de receção e detenção de fundos do devedor por parte do gestor de créditos. Esta opção não vai de encontro à preferência dos gestores, já que dificulta a operacionalização da gestão na prática.
Importa referir que os gestores de crédito, incluindo os membros dos seus órgãos de administração e trabalhadores, devem observar todos os deveres e os requisitos previstos, incluindo deveres de diligência, segredo profissional, comunicação da ocorrência da cessão, conservação de documentos, prestação de informações periódicas e os respetivos deveres perante o devedor.
A subcontratação de funções pelos gestores de créditos é possível desde que esta não incida sobre a totalidade das funções e observe os requisitos previstos no regime.
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1Com algumas exceções e limitações.
2Na aceção do art. 178.º do Regulamento UE 575/2013.
3Não se aplica, recordamos, a créditos cedidos a (i) instituições de crédito ou sociedades financeiras, instituições de pagamento ou instituições de moeda eletrónica com sede em Portugal, (ii) instituições de crédito ou instituições financeiras com sede no estrangeiro e estabelecidas em Portugal através de sucursal, ou (iii) qualquer das referidas entidades se, estando estabelecida na União Europeia, estiver habilitada a conceder crédito em Portugal em regime de livre prestação de serviços.