Revisão estrutural do RJUE no quadro da Proposta de Lei de Autorização Legislativa n.º 48/XVII/1.ª
O Governo apresentou à Assembleia da República a Proposta de Lei de Autorização Legislativa n.º 48/XVII/1.ª (PL), com o objetivo de alterar o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE).
O projeto de Decreto-Lei autorizado (PDL), anexo à proposta de lei, que naturalmente pode não corresponder à versão final que venha a ser aprovada pelo Governo, apresenta um conjunto alargado de alterações muito significativas, com impacto direto na prática urbanística municipal e na atuação dos operadores económicos, sendo de destacar as seguintes:
Principais alterações
1. Novos conceitos urbanísticos
O PDL consagra novos conceitos urbanísticos e modifica algumas das definições constantes do RJUE, tais como a de obras de reconstrução, obras de alteração e obras de ampliação, com potencial implicação ao nível das pretensões urbanísticas abrangidas pelo RJUE.
2. Regulamentos municipais podem regular aspetos procedimentais, instrutórios e definir prazos máximos para a execução das operações urbanísticas
O projeto de diploma prevê que os municípios possam novamente regulamentar:
i) Aspetos procedimentais nas situações em que a lei remeta a concretização dos respetivos procedimentos para regulamento municipal;
ii) Instrução dos procedimentos sempre que exista previsão legal expressa.
Elimina-se ainda a regra geral de que os regulamentos municipais em matéria de urbanismo que contrariem a lei são nulos, reservando-se este desvalor apenas para algumas das normas dos regulamentos que padecem daquele vício.
Introduz-se igualmente uma alteração que passa a permitir que os regulamentos municipais estabeleçam as condições e os prazos máximos a observar na execução das operações urbanísticas.
3. Âmbito dos procedimentos de licença e de comunicação prévia
É alterado o âmbito de aplicação dos procedimentos de licença e de comunicação prévia, quer ao nível das operações de loteamento, quer ao nível das obras de urbanização, de construção, de alteração, de ampliação, de conservação, de reconstrução ou de demolição, ocorrendo a passagem de algumas operações urbanistas anteriormente sujeitas a comunicação prévia para licença e vice-versa.
4. Reintrodução do controlo relativo à utilização
De acordo com o PDL, a utilização dos edifícios ou das suas frações após a realização de obra fica dependente da submissão de uma comunicação prévia, sendo que a verificação da conformidade da comunicação prévia e da sua instrução é efetuada em sede de controlo sucessivo.
A utilização de edifícios deve ser conforme com os projetos de arquitetura e de arranjos exteriores, com as condições introduzidas na aprovação dos projetos, bem como com as normas legais e regulamentares que fixam os usos admissíveis.
5. Título urbanístico/alvará
É introduzida a figura do “alvará” agora denominado por “título”, já que o deferimento expresso das licenças e das comunicações prévias com prazo é titulado por documentos normalizados, aprovados por portaria, que devem conter uma síntese da operação urbanística e ser acompanhados do comprovativo do pagamento das taxas e demais encargos aplicáveis.
O preâmbulo do diploma autorizado esclarece, de forma inequívoca, que se pretende retomar “o conceito de título” como documento que assegure a segurança jurídica, eficácia probatória perante terceiros e facilidade de circulação dos direitos associados às operações urbanísticas.
6. Obras isentas
No caso das obras isentas, passa a ser obrigatório, aquando da comunicação do início dos trabalhos, a apresentação entre outros, dos seguintes documentos:
i) Comprovativo de pagamento das taxas e demais encargos devidos;
ii) Comprovativo da realização de cedências;
iii) Projetos de especialidades;
iv) Demais elementos constantes da portaria “dos elementos instrutórios”;
v) Termo de responsabilidade dos autores dos projetos, que atestem que foram observadas as normas legais e regulamentares aplicáveis na sua elaboração;
vi) Termo de responsabilidade do coordenador dos projetos, que ateste a compatibilidade entre estes.
Quando as obras isentas implicarem uma intervenção na estabilidade do edifício, deve, adicionalmente, proceder-se ao envio para o município de um termo de responsabilidade elaborado por técnico habilitado, de acordo com a legislação em vigor, no qual deve declarar que as obras, consideradas na sua globalidade, melhoram ou não prejudicam a estrutura de estabilidade face à situação em que o imóvel se encontra antes das obras.
7. Início de trabalhos
Nos termos da redação proposta, todas as obras isentas de licença passam a ter de ser informadas à câmara municipal até cinco dias antes do início dos trabalhos, prevendo-se ainda em alguns casos a obrigatoriedade de envio de documentação a acompanhar esta comunicação.
É ainda aprovado um quadro sancionatório para o incumprimento desta obrigação de comunicar o início dos trabalhos.
8. Prazos
Procedeu-se à eliminação dos prazos globais de decisão indexados à área bruta de construção.
Manteve-se o prazo de 30 dias para aprovação do projeto de arquitetura ainda que com alteração do momento a partir do qual se inicia a sua contagem.
Por outro lado, nos termos do PDL, os prazos de decisão passam a estar sujeitos às seguintes regras:
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Tema |
Conteúdo da Proposta |
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Prazos para a decisão da câmara (sob pena de deferimento tácito) |
a) 20 dias – obras de edificação e demolição; b) 45 dias – operações de loteamento; c) 30 dias – obras de urbanização e trabalhos de remodelação de terrenos. |
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Momento de início do prazo de decisão relativo a obras de edificação e demolição |
O prazo inicia-se a partir da data de: a) Apresentação dos projetos de especialidades e outros elementos, se apresentados posteriormente; ou b) Aprovação do projeto de arquitetura se os projetos de especialidades tiverem sido apresentados conjuntamente com o requerimento inicial. |
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Momento de início do prazo de decisão relativo a operações de loteamento, obras de urbanização e trabalhos de remodelação de terrenos |
O prazo inicia-se após: a) O termo do saneamento e apreciação liminar; ou b) A receção dos elementos entregues em resposta à audiência prévia dos interessados; ou c) A receção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidas pelas entidades exteriores ao município quando haja lugar a consultas, ou do termo do prazo para a sua emissão, consoante o que ocorra em primeiro lugar. |
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Pedido conjunto de licenciamento de obras de urbanização e loteamento |
Para a aprovação da operação de loteamento, o prazo inicia-se após: a) O termo do saneamento e apreciação liminar; ou b) A receção dos elementos entregues em resposta à audiência prévia dos interessados; ou c) A receção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidas pelas entidades exteriores ao município quando haja lugar a consultas, ou do termo do prazo para a sua emissão, consoante o que ocorra em primeiro lugar. Para aprovação das obras de urbanização, o prazo inicia-se após a aprovação da operação de loteamento. |
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Prorrogação dos prazos |
Todos os prazos podem ser prorrogados uma única vez, por metade do período inicial, mediante decisão fundamentada da câmara municipal, com fundamento na especial complexidade da operação, designadamente no caso de operações de loteamento que envolvam obras de urbanização, o que pode colocar em causa a efetiva formação de deferimento tácito. |
9. Suspensão de prazos
O diploma autorizado prevê a introdução no RJUE de novos casos de suspensão dos prazos legais, como por exemplo:
i) Quando haja lugar a consulta pública no âmbito de pedidos de informação prévia ou licenciamento;
ii) Na fase de saneamento dos procedimentos, a notificação para que o Requerente corrija ou complete o pedido, afastando-se assim da regra geral do Código do Procedimento Administrativo; e
iii) Quando sejam solicitados elementos complementares no âmbito da conferência procedimental, suspende-se o prazo previsto para a realização da mesma.
10. Acompanhamento policial
O regime atualmente em vigor proíbe, de forma clara e absoluta, a exigência de acompanhamento policial para a realização de operações urbanísticas, mesmo quando implicam o corte da via pública.
Altera-se este quadro, passando inovatoriamente a permitir-se a exigência de acompanhamento policial sempre que tal se revele indispensável para a gestão do tráfego ou para a segurança de pessoas e bens.
11. Saneamento liminar na comunicação prévia
Na comunicação prévia à realização da operação urbanística é abolida a fase de apreciação liminar introduzida pelo regime anterior.
12. Prazos de declaração de nulidade
É reduzido de 10 para um ano o prazo para eventual declaração de nulidade dos atos administrativos previstos no RJUE.
13. Conferência procedimental obrigatória para pareceres externos em função da localização
As consultas a entidades externas ao município passam a ser obrigatoriamente realizadas em conferência procedimental. Ao abrigo da redação ainda em vigor, a conferência procedimental encontrava-se apenas prevista na eventualidade de posições divergentes entre as entidades consultadas.
Prevê-se ainda a possibilidade de solicitação adicional de elementos ao promotor nesta fase, aumentando-se o prazo para a pronúncia das entidades consultadas.
Deixa de ser possível ao promotor dirigir-se diretamente às entidades externas a consultar e obter o parecer expresso das mesmas e/ou invocar a formação de parecer tácito favorável.
14. Arbitragem
Permite-se ao particular exigir a celebração de compromisso arbitral para litígios relacionados com atos, pareceres e omissões no âmbito do RJUE.
Este recurso à arbitragem administrativa potestativa fica, contudo, dependente da aprovação de uma Portaria pelos membros do Governo responsáveis pela reforma do Estado, construção, autarquias locais e ordenamento do território, cujo projeto ainda não foi disponibilizado.
15. Operações urbanísticas sujeitas a Avaliação de Impacte Ambiental
Passa a ser expressamente proibida a apresentação do pedido de licenciamento, do pedido de informação prévia que possa ter como efeito a isenção de controlo prévio da operação urbanística ou a apresentação da comunicação prévia antes de ser emitida a Declaração de Impacte Ambiental (DIA).
Próximos passos
A Proposta de Lei n.º 48/XVII/1.ª constitui apenas o primeiro passo do processo legislativo. Por se tratar de uma autorização legislativa, a sua aprovação pela Assembleia da República é condição necessária para que o Governo possa aprovar o decreto-lei autorizado que lhe está anexo.
Após a votação parlamentar da Proposta de Lei – em caso de aprovação da mesma – o Governo poderá então aprovar, num prazo de 180 dias, o decreto-lei autorizado em Conselho de Ministros, enviar o texto final para promulgação presidencial e, uma vez promulgado pelo Presidente da República, proceder à sua publicação em Diário da República.
Até à entrada em vigor do diploma autorizado, mantém-se plenamente aplicável a redação atual do RJUE, resultante, designadamente do Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro (Simplex Urbanístico).