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23.10.2025

Legal Alert | Prontidão da Defesa Europeia e regras dos auxílios de Estado

A Comissão Europeia publicou o “Pacote Omnibus Prontidão da Defesa”, que prevê investimentos até 800 mil milhões de euros para reforçar a defesa europeia até 2030 e clarifica que certas infraestruturas e medidas de apoio à produção de defesa não constituem auxílios de Estado ou podem ser compatíveis ao abrigo dos artigos 346.º e 107.º do TFUE. A Comissão prepara orientações adicionais e recolhe contributos dos Estados-Membros e partes interessadas para definir o seu âmbito.

I. Introdução

A Comissão Europeia adotou recentemente a Comunicação “​Pacote Omnibus Prontidão da Defesa​” (PPdD). Em termos de investimentos públicos e privados no setor da defesa e respetiva articulação com as regras dos auxílios de Estado, a Comissão reconhece no PPdD que são essenciais investimentos públicos e privados substanciais para alcançar o ​objetivo de Prontidão da Defesa da UE para 2030​ (desbloqueando até 800 mil milhões de euros para um aumento das despesas com a defesa europeia).

No âmbito deste esforço, os Estados-Membros podem agora aproveitar as oportunidades oferecidas pela revisão intercalar do financiamento da coesão para apoiar as capacidades industriais de defesa e a mobilidade militar ao abrigo do ​Plano ReArm Europe​, bem como os recursos dos seus planos de recuperação e resiliência e do respetivo orçamento nacional. Esta oportunidade adicional de utilizar os fundos da UE para a defesa reforça ainda mais o volume de recursos disponíveis e, por conseguinte, a justificação para eliminar obstáculos desnecessários ou encargos administrativos à efetiva mobilização dos investimentos na defesa da Europa.

II. Orientações em matéria de auxílios de Estado à defesa

A Comissão recorda no PPdD que as medidas estatais de apoio aos investimentos em infraestruturas gerais, tais como o alargamento de túneis ferroviários ou o reforço de pontes rodoviárias ou ferroviárias para criar corredores de mobilidade, não constituem auxílios de Estado, uma vez que se tratam de atividades de domínio público relacionadas com o exercício de prerrogativas do Estado, e que o mesmo se aplica às funções das forças armadas dos Estados-Membros, que geralmente também se enquadram nas atividades de domínio público. O PPdD salienta que os Estados-Membros não precisam de notificar estas medidas à DG COMP.

Além disso, o PPdD afirma que existe um interesse imperioso da União, bem como um interesse nacional, em aumentar a produção no domínio da defesa e que se verifica uma incapacidade dos operadores do mercado europeu para responderem de forma suficientemente atempada a esta necessidade devido a uma série de fatores objetivos (por exemplo, mercados de contratos públicos fragmentados, incerteza da procura ao longo do tempo, acesso ao financiamento). Assim, nos termos do PPdD, no caso de medidas de auxílio de Estado destinadas a apoiar o investimento na capacidade de produção de produtos e serviços de defesa, estas podem normalmente ser consideradas como apoiando interesses essenciais em matéria de segurança sem afetar negativamente as condições de concorrência no mercado interno, pelo que são abrangidas, em regra, pelo âmbito de aplicação do ​artigo 346.º​ do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

Nestes termos, e de acordo com a Comissão, quando o artigo 346.º do TFUE se aplica a medidas que configuram um auxílio de Estado, os Estados-Membros não precisam de notificar essas medidas. Ao abrigo do artigo 346.º do TFUE e da jurisprudência conexa, a necessidade e a proporcionalidade das medidas nacionais destinadas a proteger interesses essenciais de segurança são examinadas caso a caso para cada uma dessas medidas, tendo em conta o seu contexto e efeitos.

Além disso, quando o apoio público constitui um auxílio de Estado e não é abrangido pelo artigo 346.º do TFUE, este pode ser abrangido, reunidos os respetivos pressupostos, pelas possibilidades de compatibilidade oferecidas pelas ​orientações​, ​enquadramentos​ ou pelo ​Regulamento Geral de Isenção por Categoria​ em matéria de auxílios de Estado.

Esses auxílios, quer sob a forma de auxílios individuais, quer de regimes de auxílios, podem também ser aprovados diretamente ao abrigo do ​artigo 107.º, n.º 3, alínea c), do TFUE​. Ao abrigo desta disposição, a Comissão considera no PPdD que os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas atividades económicas, incluindo também os fatores de produção essenciais para a produção de produtos e serviços de defesa, são compatíveis com as regras em matéria de auxílios de Estado, desde que não alterem as condições das trocas comerciais de maneira contrária ao interesse comum. Na ponderação global dos efeitos positivos e negativos sobre a concorrência e o comércio, a Comissão, de acordo com o PPdD, terá devidamente em conta a contribuição da medida para o objetivo de Prontidão de Defesa 2030, bem como as especificidades do mercado da defesa, em que a procura provém dos Estados-Membros, que controlam a aquisição de produtos e tecnologias relacionados com a defesa, incluindo as exportações.

III. Próximos passos

De acordo com o PPdD, a Comissão Europeia fornecerá orientações adequadas e oportunas sobre a avaliação do apoio público ao setor da defesa – incluindo, se necessário, através de um vade mecum de precedentes relevantes ou de uma comunicação interpretativa a adotar pela Comissão.

Com vista a compreender se essas orientações em matéria de auxílios de Estado são necessárias e, em caso afirmativo, qual o seu possível âmbito de aplicação, a Comissão está agora a procurar proativamente obter contributos, através de um diálogo contínuo com os Estados-Membros (incluindo conjuntamente todas as autoridades relevantes, como por exemplo, as responsáveis pelos auxílios de Estado, pela indústria e pela defesa) e outras partes interessadas.

A ​equipa de Direito da Concorrência da Morais Leitão​ está ao inteiro dispor para qualquer esclarecimento sobre este tema.