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08.05.2023

Legal Alert | Setor automóvel: mesmo regulamento, novidades nas "orientações"

I. Enquadramento

A Comissão Europeia (CE) decidiu prolongar, por cinco anos adicionais, a vigência do Regulamento (UE) n.º 461/2010 que estabelece uma isenção por categoria para certos acordos verticais e práticas concertadas no setor dos veículos automóveis (“Regulamento Automóvel”). Este regulamento, que caducaria em 31 de maio de 2023, vigorará, portanto, até 31 de maio de 2028.

Em paralelo, a CE adotou, no passado dia 17 de abril de 2023, alterações às Orientações complementares relativas às restrições verticais nos acordos de venda e reparação de veículos a motor e de distribuição de peças sobresselentes para veículos a motor (“Orientações”)  que servem, entre outros propósitos, para auxiliar as empresas na apreciação de eventuais impactos jusconcorrenciais dos seus acordos e práticas no setor automóvel.

II. Principais alterações introduzidas pelas Orientações

As principais modificações introduzidas destinam-se a assegurar um espectro mais alargado de informação ao dispor dos operadores independentes e, paralelamente, um cuidado acrescido com situações de recusa de prestação de informação.

  • Dados gerados pelo veículo enquanto “input essencial”
    No âmbito do processo de revisão do Regulamento Automóvel, iniciado em maio de 2021, vários stakeholders haviam identificado os dados gerados pelos veículos (in‑vehicle data) como um elemento crítico para a concorrência no mercado da pós‑venda.

    Nas Orientações, a Comissão vem reconhecer que essa informação pode ser essencial para a prestação de serviços de manutenção e de reparação e que os operadores independentes (tais como oficinas de reparação independentes, fabricantes e distribuidores de peças sobresselentes, empresas de assistência rodoviária, entre outros) devem ter acesso à mesma em termos equiparados aos dos membros da rede autorizada da marca em causa.

    Em termos práticos, a reformulação operada no texto das Orientações estende o regime vigente em matéria de acesso a informação técnica e a ferramentas e formação aos dados gerados pelo veículo, uns e outros agora agregados sob o conceito de “input essencial” (cf., entre outros, os §§62, 62-A e 67-A das Orientações).

    Por outro lado, o leque de operadores independentes que podem ter acesso a tais “inputs essenciais” é igualmente alargado, passando a incluir os editores de dados gerados por veículos e distribuidores de equipamentos ou de ferramentas (cf. §62 das Orientações).
  • Atualizações no conceito de “informação técnica”
    O conceito de informação técnica é atualizado para acomodar a evolução tecnológica, passando a incluir sistemas avançados de assistência ao condutor e sistemas de gestão de baterias para veículos eletrónicos e, ainda os códigos de ativação necessários à instalação de peças sobresselentes (cf. §66 das Orientações).
  • Recusa de fornecimento
    Antevendo a possibilidade de o fornecimento de um determinado input essencial ser recusado com base em motivos de segurança, as Orientações vêm chamar a atenção para a necessidade de se assegurar, nesse caso, a observância de uma lógica de proporcionalidade, isto é, a recusa será legítima se for a solução mais adequada (leia‑se, proporcional) por não ser possível a adoção de medidas alternativas menos restritivas (cf. §62-B das Orientações).
  • Abuso de posição dominante por retenção de elementos essenciais a operadores independentes
    As Orientações clarificam, ainda, que a retenção (não disponibilização) de um determinado input essencial a operadores independentes pode ser considerada uma prática abusiva quando levada a cabo por um operador em posição dominante, mesmo que essa informação não seja disponibilizada, pelo fornecedor em questão, aos membros da sua rede autorizada.

III. Relevância Prática

Embora as Orientações não tenham valor de lei, as mesmas vinculam a Comissão Europeia na sua atuação futura relativamente ao quadro de apreciação da (i)licitude de acordos ou práticas no setor automóvel.

Por outro lado, na medida em que impende sobre as empresas que são parte nos acordos o ónus de assegurarem que os mesmos não restringem a concorrência no mercado, as Orientações fornecem indicações relevantes para essa apreciação.

Assim, afigura-se recomendável que as empresas com atividades no setor automóvel revejam os seus contratos e as práticas comerciais, para garantirem que os mesmos acautelam devidamente as preocupações identificadas pela Comissão Europeia nas novas Orientações, afastando o risco de restrições da concorrência no mercado.