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03.06.2022

Legal Alert | Novas regras nas relações de consumo

O que mudou desde o dia 28 de maio de 2022 nas relações de consumo?

Conforme antecipado no nosso anterior Legal Alert no passado dia 28 de maio de 2022, entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 109-G/2021, de 10 de dezembro, que transpôs parcialmente a Diretiva (UE) 2019/2161 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de novembro, relativa à defesa dos consumidores, que visa reforçar os direitos dos consumidores em linha, introduzindo regras que contribuem para uma maior transparência das plataformas em linha, bem como reforçar o quadro sancionatório aplicável em caso de violação dos direitos dos consumidores.

Quais são as principais alterações a registar?

Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de julho)

  • Obrigação de informar o consumidor sobre o período de garantia de conformidade, não apenas de bens físicos, mas também de conteúdos e serviços digitais.
  • Obrigação de informar o consumidor sobre a funcionalidade, a compatibilidade e a interoperabilidade dos bens com elementos digitais (e não apenas dos conteúdos digitais).
  • Proibição expressa de técnicas através das quais o profissional procure reduzir deliberadamente a duração de vida útil de um bem de consumo a fim de estimular ou aumentar a substituição de bens.

Preços de bens destinados à venda a retalho (Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de abril, e Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de março)

  • Divulgação de qualquer prática comercial com redução de preço – saldos, promoções ou liquidações – deve, independentemente do meio de comunicação, indicar o preço mais baixo anteriormente praticado, por referência aos preços praticados nos 30 dias anteriores à redução do preço. Deixa de ser suficiente a indicação da percentagem de redução, agora meramente facultativa.
  • No caso de produtos agrícolas e alimentares perecíveis (i.e., aqueles que, pela sua natureza ou devido à fase da sua transformação, são suscetíveis de se tornarem impróprios para venda no prazo de 30 dias após a sua colheita, produção ou transformação) ou de produtos que se encontrem a quatro semanas da sua data de validade, a redução de preço deve ser indicada por referência ao preço mais baixo praticado durante os últimos 15 dias consecutivos em que o produto esteve à venda (ou durante o período total de disponibilização do produto ao público, caso seja inferior).
  • Comparação com os preços de referência tem de ser efetivamente real: (i) tem de ser clara e deve utilizar a mesma unidade de medida, não sendo admitido que o preço a praticar na venda com redução de preço seja expresso numa unidade de medida menor do que a unidade com a qual é comparada; e (ii) deve ser feita sobre produtos na mesma condição, sendo proibida, designadamente, a comparação de bens vendidos em embalagem com o valor unitário de cada produto que as integra.

Regime das práticas comerciais desleais (Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março)

  • Alargamento do âmbito de aplicação a conteúdos e serviços digitais.
  • Passam a integrar o catálogo das práticas enganosas, as seguintes práticas:
    • A promoção comercial de um bem como sendo idêntico a outro bem comercializado num Estado-Membro distinto, sempre que os bens sejam significativamente diferentes quanto à sua composição ou características (salvo quando isso se justifique por fatores legítimos e objetivos);
    • O fornecimento de resultados de pesquisas em resposta a consulta em linha do consumidor sem revelar, claramente, o pagamento de publicidade ou outro pagamento efetuado especificamente para obter uma classificação superior dos produtos nos resultados das pesquisas;
    • A revenda aos consumidores de bilhetes para eventos adquiridos pelo profissional através de meios automatizados, para contornar os limites impostos ao número de bilhetes que uma pessoa pode adquirir ou outras regras aplicáveis à sua aquisição;
    • A indicação de que as avaliações de um produto são apresentadas por consumidores que o utilizaram ou adquiriram efetivamente, sem adotar medidas razoáveis e proporcionadas para verificar essa informação;
    • A apresentação de avaliações ou recomendações falsas de consumidores, instrução de terceiros para o efeito, ou apresentação de avaliações do consumidor ou recomendações distorcidas nas redes sociais, a fim de promover os produtos.
  • Passa a integrar o catálogo das omissões enganosas:
    • A falta de esclarecimento, pelo profissional que seja um mercado em linha (i.e. um site ou uma aplicação que permita aos consumidores celebrar contratos à distância com outros profissionais ou consumidores), sobre se o terceiro que oferece tais serviços é ou não um profissional;
    • Nos casos em que a procura de produtos oferecidos por diferentes profissionais ou por consumidores for possível através de pesquisas sob a forma de palavra-chave, de frase ou de outros dados – a falta de informação sobre os parâmetros que determinam a classificação dos produtos apresentados ao consumidor em resultado da pesquisa e a importância relativa desses parâmetros em comparação com outros parâmetros. Estas informações têm de ser apresentadas numa secção específica da interface em linha que seja direta e facilmente acessível a partir da página onde os resultados da pesquisa são apresentados. Por exemplo, se os resultados forem apresentados por “os mais vendidos”, o profissional tem de esclarecer o consumidor indicando de forma explícita que esse foi o parâmetro para disposição visual dos vários bens a apresentar;
    • Nos casos em que o profissional disponibilize o acesso a avaliações efetuadas por consumidores – a falta de informação sobre se o profissional garante que as avaliações publicadas são efetuadas por consumidores que efetivamente utilizaram ou adquiriram os produtos e sobre os mecanismos ou ferramentas utilizadas para o efeito.
  • Sempre que o consumidor adquirir um produto por efeito de uma prática comercial desleal, pode agora exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, salvo se o exercício destes direitos for abusivo.
  • Sem prejuízo destes direitos do consumidor, as práticas comerciais desleais continuam a ser puníveis como contraordenação económica grave.

Contratação à distância (Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro)

  • Âmbito de aplicação alargado a:
    • Contratos de fornecimento (ou promessa de fornecimento) de conteúdos digitais não entregues em suporte material, ou de serviços digitais com acesso a dados pessoais do consumidor;
    • Bens em segunda mão, a água, a gás ou a eletricidade vendidos em volume limitado ou em quantidade determinada e a bens com elementos digitais (i.e. bens móveis corpóreos que incorporem ou estejam interligados a um conteúdo ou serviço digital, de tal modo que a falta destes impeça os bens de desempenharem as suas funções, por exemplo, uma aplicação para ligar uma impressora).
  • Informações pré-contratuais adicionais:
    • Dados pormenorizados sobre eventuais meios de comunicação online que o fornecedor de bens ou prestador de serviços tenha disponíveis para facilitar o contacto com o consumidor e que permita conservar toda a correspondência escrita mantida, inclusive a data e a hora da correspondência, num suporte duradouro;
    • Indicação de que o preço foi personalizado com base numa decisão automatizada, quando aplicável;
    • Existência e prazo da garantia de conformidade dos conteúdos ou serviços digitais, sempre que os mesmos estejam incorporados em bens de consumo ou com eles interligados;
    • Funcionalidade dos bens com elementos digitais, conteúdos ou serviços digitais, incluindo medidas de proteção técnica, quando aplicável;
    • Qualquer compatibilidade e interoperabilidade relevante dos bens com elementos digitais, conteúdos ou serviços digitais de que o profissional tenha ou possa razoavelmente ter conhecimento, se for caso disso.
  • Regras específicas sobre contratos celebrados em mercados em linha:
    • Exigências adicionais de informação sobre:
      • os principais parâmetros das propostas apresentadas ao consumidor em resultado da pesquisa e a importância relativa desses parâmetros;
      • as propostas que forem apresentadas pelo prestador do mercado em linha;
      • o facto de a comparação de propostas se basear em diferentes circunstâncias, não apresentando essa comparação como um desconto (quando aplicável);
      • a partilha de obrigações contratuais entre o terceiro que oferece os bens ou os serviços e o prestador do mercado em linha;
      • se o vendedor ou prestador é ou não um profissional, clarificando, caso o não seja, a não aplicação dos direitos da União em matéria de defesa do consumidor;
      • eventuais reduções de preços nas propostas, detalhando a percentagem de redução e o preço mais baixo anteriormente praticado.
    • Exigências adicionais caso os prestadores do mercado em linha disponibilizem o acesso a avaliações efetuadas por consumidores:
      • assegurar a existência prévia de transação comercial efetuada pelo consumidor que avalia;
      • identificar de forma clara e inequívoca a avaliação cujos autores tenham recebido algum benefício em troca da sua avaliação, quando disso tenha ou deva ter conhecimento;
      • garantir que as avaliações são publicadas sem demora e que o seu autor pode, a qualquer momento, editar o seu conteúdo;
      • assegurar que todas as avaliações, positivas ou negativas, permanecem disponíveis por um período não inferior a seis meses.
  • Extensão do prazo durante o qual o consumidor pode livremente, e independentemente de qualquer justificação, resolver o contrato (o chamado “direito de arrependimento”) de 14 para 30 dias, no caso de contratos celebrados no domicílio do consumidor ou de contratos celebrados durante uma deslocação organizada pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços fora do respetivo estabelecimento comercial.
  • Caso exerça este direito, o consumidor deve abster-se de utilizar os conteúdos ou serviços digitais, ou de os colocar à disposição de terceiros.

Cláusulas contratuais gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro)

  • Tipifica-se como contraordenação muito grave a utilização de cláusulas contratuais gerais classificadas pelo Decreto-Lei n.º 446/85 como absolutamente proibidas.

A Morais Leitão está disponível para qualquer esclarecimento adicional sobre esta matéria.