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29.03.2023

Legal Alert | Lei n.º 10/2023, de 3 de março, relativa à defesa dos consumidores

I. Enquadramento e principais alterações

No próximo dia 2 de abril de 2023, entra em vigor a Lei n.º 10/2023, de 3 de março, que procede à conclusão da transposição da Diretiva (UE) 2019/2161 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, relativa à defesa dos consumidores, alterando os seguintes diplomas:

  • Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, que institui o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (DL n.º 446/85);
  • Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de abril, que obriga que os bens destinados à venda a retalho exibam o respetivo preço de venda ao consumidor (DL n.º 138/90);
  • Decreto-Lei n.º 70/2007, de 26 de março, que regula as práticas comerciais com redução de preço nas vendas a retalho praticadas em estabelecimentos comerciais, com vista ao escoamento das existências, ao aumento do volume de vendas ou a promover o lançamento de um produto não comercializado anteriormente pelo agente económico (DL n.º 70/2007);
  • Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março, que estabelece o regime das práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transação comercial relativa a um bem ou serviço (DL n.º 57/2008);
  • Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, relativo aos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial (DL n.º 24/2014).


II. 
Limite máximo das coimas a aplicar correspondente a 4% do volume de negócios anual do infrator em caso de infrações generalizadas ou infrações generalizadas ao nível da União Europeia

No domínio das sanções contraordenacionais, a nova lei veio transpor para o direito interno o que podemos designar como uma nova categoria de infrações: infrações generalizadas ou infrações generalizadas ao nível da União Europeia, na aceção dos n.os 3) e 4) do artigo 3.º do Regulamento (UE) 2017/2394, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2017, relativo à cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de proteção dos consumidores (Regulamento (UE) 2017/2394).

Sempre que as contraordenações previstas em cada um dos regimes acima referidos correspondam a infrações generalizadas ou infrações generalizadas ao nível da União Europeia, à luz do Regulamento (UE) 2017/2394, as coimas a aplicar passam a ter como limite máximo 4% do volume de negócios anual do infrator ou, não estando disponível informação sobre o volume de negócios anual, 2 000 000 EUR (cf. artigo 34.º-A, n.os 2 e 3, do DL n.º 446/85; artigo 21.º, n.os 2 e 3, do DL n.º 57/2008; artigo 31.º, n.º 4 e n.º 5, do DL n.º 24/2014).


III. 
Critérios de determinação da medida da coima

A nova lei vem ainda introduzir, como complemento ao Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro, que institui o Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (RJCE), critérios específicos de determinação da medida da coima a aplicar pela prática das contraordenações previstas em cada um dos referidos diplomas, entre os quais se destacam: (i) a natureza, a gravidade, a dimensão e a duração da infração cometida; (ii) as medidas eventualmente adotadas pelo infrator para atenuar ou reparar os danos causados aos consumidores; (iii) as eventuais infrações cometidas anteriormente pelo infrator em causa; (iv) os benefícios financeiros objetivos ou os prejuízos evitados pelo infrator em virtude da infração cometida, se os dados em causa estiverem disponíveis; (v) nas situações transfronteiriças, as sanções impostas ao infrator pela mesma infração noutros Estados-Membros, caso a informação sobre essas sanções esteja disponível ao abrigo do mecanismo estabelecido no Regulamento (UE) 2017/2394.


IV. 
Em especial, as alterações ao DL n.º 24/2014

Entre as várias alterações a que a lei em análise procedeu, destacam-se as que incidem sobre o DL n.º 24/2014 (de resto, republicado pela nova lei), designadamente, no que diz respeito às obrigações do fornecedor de bens ou prestador de serviços, em caso de livre resolução por parte do consumidor. Neste contexto, a nova lei, entre o mais:

  • Exige, em relação ao tratamento e livre circulação dos dados pessoais do consumidor, a observância das regras do Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 (RGPD);
  • Impõe que o fornecedor de bens ou prestador de serviços se abstenha de usar quaisquer conteúdos facultados ou criados pelo consumidor aquando do uso dos conteúdos ou serviços digitais disponibilizados pelo fornecedor, que não sejam qualificados como dados pessoais, exceto se tais conteúdos:

a) não tiverem utilidade fora do contexto dos conteúdos ou serviços digitais fornecidos;
b) respeitarem apenas à atividade do consumidor aquando do uso dos conteúdos ou serviços fornecidos;
c) tiverem sido agregados a outros dados pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços e não possam ser desagregados ou exijam para tal esforços desproporcionados;
d) tiverem sido produzidos em conjunto pelo consumidor e por terceiros, e outros consumidores puderem continuar a usar esses conteúdos;

  • Determina que, salvo nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) acima, sempre que isso lhe seja pedido, o fornecedor de bens ou prestador de serviços disponibilize ao consumido – em tempo razoável, sem entraves injustificados e num formato de dados de uso corrente e de leitura automática –  quaisquer conteúdos que tenham sido facultados ou criados pelo consumidor durante o período em que este fez uso dos conteúdos digitais ou serviços digitais fornecidos, desde que os mesmos não constituam dados pessoais e desde que o consumidor o peça;
  • Permite que – ressalvado o cumprimento do ponto anterior – o fornecedor de bens ou prestador de serviços possa, posteriormente à resolução, impedir o consumidor de usar aqueles conteúdos ou serviços digitais, tornando-os inacessíveis ao consumidor ou desativando a sua conta de utilizador.

No domínio contraordenacional, o DL n.º 24/2014 passa a prever como contraordenação económica grave, punível ao abrigo do RJCE, as seguintes infrações por parte do prestador do mercado em linha (ou seja, a entidade gestora da página da Internet através da qual é possível celebrar contratos à distância):

  • Não facultar ao consumidor, no caso de contratos celebrados em mercados em linha, as informações pré-contratuais adicionais previstas nas alíneas do artigo 4.º-A do DL n.º 24/2014, antes de este ficar vinculado a qualquer contrato ou proposta;
  • Nos casos em que o prestador do mercado em linha disponibilize o acesso a avaliações efetuadas por consumidores:
    • Não adotar medidas de diligência adequadas designadamente, as previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 4.º-B, destinadas a garantir a fiabilidade dessas avaliações;
    • Não indicar o critério utilizado nas avaliações disponibilizadas, preferencialmente por ordem cronológica;
    • Não disponibilizar mecanismos de reporte de avaliações falsas ou abusivas ou mecanismos que permitam a resposta à avaliação apresentada pelo fornecedor de bens ou prestador de serviços.